sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

«em intenção do ouvinte ingénuo»

MAHLER (1860-1911)

"(...)este programa era escrito «em intenção do ouvinte ingénuo»"

«Primeiro andamento. Estamos junto da sepultura de um homem bem-amado. Contemplamos toda a sua vida, as suas lutas, os seus sofrimentos e as suas intenções na terra. E agora, neste momento solene e profundamente comovente, quando a confusão e as distracções da vida quotidiana são retiradas como um capuz dos nossos olhos, uma voz de impotente solenidade gela-nos o coração, uma voz que, ofuscados pela miragem da vida quotidiana, normalmente ignoramos: "E agora?" - diz a voz. - "O que é a vida e o que é a morte? Viveremos eternamente? É tudo um sonho vazio ou a nossa vida e morte têm sentido?" E nós temos de responder a esta pergunta, se quisermos continuar a viver.

(restantes andamentos como intermezzi)


Segundo andamento: Andante: Um momento feliz na vida do ente querido que partiu e uma recordação triste da sua juventude e da sua inocência perdida.

Terceiro andamento: Scherzo: Um espirito de descrença e negação apossou-se dele. Fica confuso perante o turbilhão de aparições e perde a percepção da infância e a profunda força que só o amor pode dar. Desespera tanto de si como de Deus. O mundo e a vida começam a parecer irriais. Um extremo desgosto por toda e qualquer forma de existencia e evolução aperta-o com uma garra de ferro, atormenta-o até que ele solta um grito de desespero.

Quarto andamento: "Urlicht" (solo de contralto):
Soam-lhe aos ouvidos as palavras vibrantes de fé simples. "Sou de Deus e para Deus quero voltar! O querido Deus me dará uma luz, me iluminará até à vida abençoada, eterna!"

Quinto andamento: Começa com o "grito de desespero". Uma vez mais somos confrontados com questões aterradoras, e o ambiente é o mesmo que no final do terceiro andamento. Ouve-se a voz do Chamador. O fim de todas as coisas viventes chegou, o juizo final aproxima-se e o horror do dia dos dias desceu sobre nós. A terra treme, as sepulturas escancaram-se, os mortos levantam-se e avançam em procissão interminável. Os grandes e pequenos deste mundo, reis e mendigos, os justos e os ímpios, todos avançam: "uma procissão interminável de gente tremente, expectante". O grito por clemência e perdão soa assustador nos nossos ouvidos. O pranto torna-se cada vez mais terrível; os nossos sentidos abandonam-nos, toda toda a consciência morre ao aproximar do Espírito Eterno. Soa a "Última Trombeta", as trombetas do Apocalipse convocam "toda a carne e todo o espírito". Na calma lúgrube que se segue distinguimos a custo um rouxinol ao longe, num último eco trémulo de vida terrena. Ouve-se então o som suave de um coro de santos e hóspedes celestes: "Levantar-te de novo, sim, levantar-te de novo irás!" Aparece depois Deus em toda a Sua glória. Uma luz maravilhosamente suave invade-nos o coração. Tudo é calma e felicidade. E olhai: não há julgamento; não há pecadores; nem homens justos; nem grandes e pequenos; não há castigo nem recompensa! Um sentimento de amor avassalador imbui-nos de graça de saber e ser.»

Quantos compositores(autores/artistas e não artistas) correriam hoje o risco de se dirigir aos seus publicos potenciais nestes termos...e no ano de 1901?!?!..só Mahler!!!
Ah, este excerto é sobre a sua 2ª Sinfonia "Ressurreição"

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