domingo, 3 de agosto de 2008

Exposição Superficies de Contacto


«Uma superficie de contacto é uma fronteira. Estabelece um limite entre as mãos que a tocam e a rugosidade da madeira, a maleabilidade do tecido, a frieza do metal ou da pedra. Como sempre sucede quando se passa uma fronteira, é também uma origem possivel de conhecimento e de enriquecimento interior: afinal, é através dos sentidos que o mundo deixa de ser exterior e estranho para se integrar no espírito de quem o apreende.
Assim, este limite que o contacto permite faz-se sempre entre um objecto, um corpo físico, e a pele de quem o apreende. As mãos e o tacto serão sempre os primeiros a avançar nesta identificação da exterioridade. Mas, pensando bem, todos os sentidos participam deste contacto entre o exterior e o interior, entre o mundo e a mente, entre algo que é estrangeiro e a captação que permite deixar de o considerar como tal. O ouvido, onde a vibração das membranas provocada pelas ondas sonoras leva á identificação do som, o gosto, onde o trabalho é feito pelas papilas gustativas , o olfacto, e mesmo a vista, que precisa de ser provocada pela luz para identificar formas e cores, todos comungam deste denominador comum: há sempre uma superficie, por muito infima que seja, que é tocada por um influxo exterior. Ou, dito de outra forma, a compreensão do mundo passa pelo contacto.
Nos cinco artistas que apresentamos nesta exposição, todos eles com obra aparentemente muito diversa, podemos detectar essa permanente indigação e apreensão do mundo através de uma superficie de contacto. O facto de todos serem também ainda jovens, de terem começado há poucos anos a apresentar publicamente o seu trabalho, permite entender claramente ainda como essa caracteristica se coaduna particularmente bem com o processo artistico que se define justamente nestes primeiros anos. Esta é sempre a época da vida em que se fazem escolhas que a vão definir. Neste caso, trata-se de optar por técnicas, formas, materiais, geometrias de organização de espaço e de apresentação da obra que, mais tarde, de uma forma ou de outra - e por vezes mesmo de um modo extremamente subtil - se vão manter como eixos fundadores de projecto para projecto.
Por isso pode também afirmar-se que, nestes casos, a própria obra constitui-se como superficie de contacto entre si e o mundo (mesmo que este mundo, como tão evidente nos projectos apresentados, seja sistematicamente o universo interior de cada artista). Quer se trate de pintura, da escultura ou do som, ela funciona sempre como uma membrana, uma pele, um tecido, uma placa solida que recebe os influxos exteriores e os repercute para o contexto da arte. Nesse exterior, convém dizer, está também incluida toda a vivência de cada um: a sua aprendizagem, as suas experiências, o que o impressionou deste que existe.
Assim, pode dizer-se que este exposição trabalha os contactos possiveis entre o mundo e cada um, através do tacto, que encontra materiais pouco usuais, atrvés do olhar, que esbarra na tridimensionalidade quando esperava as duas dimensões da pintura, através do ouvido, que capta o som repetido em eco em lugares inesperados. Outros contactos, outras superficies são evocados por cada uma das obras em si, que nos enviam para universos diferentes dos da sala de exposições: uma linha do horizonte, linha imaginária de contacto entre o céu e a terra, o limite entre o privado e o público que a parede constrói, e que tantas vezes se transforma em suporte de apropriação clandestina do espaço urbano, o limite do papel que se dobra até fazer escultura, ou mesmo o do espelho, limite imaginário entre a realidade e a virtualidade. Como sempre sucede, a obra de arte testemunha o tempo em que é feita. Como aqui sucede também, esse testemunho é o de uma transgressão dos espaços, dos contactos permitidos, dos limites.»

Luisa Soares de Oliveira. Abril de 2008

Mark Aragão

«Com um percurso que começou pela escultura e pela música, Mark Aragão tem-se orientado, nas suas peças mais recentes, para um trabalho sobre o som. Mas não sobre qualquer som: trata-se aqui de envolver o visitante num ambiente sensorial onde o eco transposta consigo a memória de uma frequência original, e onde as implicações desse trabalho, ao contrário do que as aparências sugerem, se aproximam muito do conceito de representação.
Tal como o eco, a representação visava reproduzir, através da pintura ou escultura, um modelo verdadeiro com uma máxima exactidão possível. A fotografia, se por um lado veio  garantirque essa reprodução era possível, por outro instaurou a dúvida sobre o valor de toda a reprodução. Dito por outras palavras, questionava-se agora, como ainda hoje se questiona, o efeito da reprodução de massa - em termos de aura, como Benjamin o enunciou num texto célebre - sobre o original. Do mesmo modo, um som que é repetido pela sua repercussão numa superfície acaba por se diluir no espaço, por perder o seu significado original.  E é a repetição, mesmo quando extravasa para fora do espaço expositivo, como aqui acontece, que anula o efeito de surpresa e novidade do original.»

Luisa Soares de Oliveira. Abril de 2008

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